Princípios e metodologia pedagógica

RESISTÊNCIA POPULAR
Coordenação de educação popular
Esta cartilha busca ser o ponto de partida para uma boa e proveitosa discussão. Nela estão alguns textos e sugestões de trabalho para aquelas e aqueles que estão na luta diária da Resistência Popular, educando crianças, jovens e adultos para serem lutadores e lutadoras do povo, para serem solidários, criativos, críticos, tenham iniciativa, saibam por em prática seus conhecimentos e ideias e principalmente, tenham muita, mas muita mesmo, disposição para a luta por nossas necessidades e propostas.

Bom debate!
1...IDENTIDADE DE CLASSE

Temos que ter consciência de quem somos. Somos o povo pobre da periferia em luta, exigindo que suas necessidades sejam satisfeitas. Uma de nossas necessidades é a educação de nossas crianças. Nossas crianças são crianças da classe oprimida, que também sofrem com a opressão que sofremos. Temos que lutar por elas, e ensiná-las a ter autonomia para um dia lutarem também. Não queremos ser burgueses, ter milhões na conta do banco, explorar trabalhadores, ter vários carros e mansões. Queremos uma vida digna, mas preservando a nossa identidade de povo. O educador que tem grandes sonhos de consumo e de um dia virar "patrão" não serve para ser educador da Resistência Popular.
2 ... RECONHECER E COMBATER OS VALORES DO CAPITALISMO

Nas atividades e no dia a dia como educadores, temos que fazer de tudo para lutar contra as picuinhas, a competitividade, o egoísmo, o comodismo, a fofoca, a inveja, a preguiça, o alcoolismo e a drogadição, o autoritarismo, o machismo, a violência de povo contra povo, a ignorância, o assistencialismo, o oportunismo. Nada é perfeito, mas se todos os dias lutarmos contra estas verdadeiras pragas, vamos vencê-las. No lugar delas, vamos plantar: a solidariedade, a luta, a fé em uma sociedade livre e justa, responsabilidade, respeito à família, iniciativa, senso crítico, auto-organização, trabalho coletivo, participação direta, identidade de povo e classe e respeito mútuo. Com certeza, vamos colher uma nova comunidade e uma nova sociedade no futuro.
3 ... RESPEITO AOS SABERES DOS EDUCANDOS

A escola não respeita o que nossas crianças sabem, porque ela não entende que as crianças de periferia não tem o conhecimento e o comportamento que algumas professoras e o governo gostariam que tivessem, que é o comportamento e o conhecimento burguês. Nossas crianças não gostam de ficar paradas, mudas, só ouvindo uma pessoa falar, falar, falar, fechadas entre quatro paredes. Nossas crianças gostam de correr, pular, dançar, cantar, são as donas da rua. Gostam de se mexer, de dizer o que pensam, de comer, de fazer sujeira, de fazer bagunça.São curiosas, metem o nariz onde não são chamadas, gritam, se machucam. Tudo isso tem que ser valorizado e canalizado para um trabalho educativo, porque, se for toda hora reprimido, teremos adultos acomodados, frustrados, tristes e talvez até, violentos, alcólatras e drogados. Elas também tem saberes que devem ser respeitados. Sabem milhões de brincadeiras de rua. Sabem várias gírias. Sabem histórias incríveis. Tudo isso tem que ser valorizado e ser matéria de sala de aula, mesmo que a sala de aula seja a rua, o campinho, a sanga, a pracinha...
4...CRITICIDADE

Nossas crianças têm que aprender a criticar o que está errado, o que é injusto. Temos que estimular isto nelas, e não faze-lás calar boca. É possível trazer debates que as crianças possam acompanhar e dar sua opinião, debates que são de toda a comunidade. O acesso à saúde, à universidade, ao emprego, à moradia digna, à uma alimentação saudável, tudo isto as crianças conseguem debater e dar opinião, fazendo teatrinhos, vendo filmes, ouvindo histórias, vendo figuras, entrevistando os pais e vizinhos, enfim, queremos crianças críticas e não apáticas.
5...SABER COLOCAR EM PRÁTICA A TEORIA, E VICE-VERSA

Não nos interessa educar adultos que saibam criticar tudo, mas não metem ombro para fazer nada. Conhecemos bem este tipo.Por isso, é fundamental a cada discussão, a cada crítica construída pela criança construir ações práticas para combater o problema, coisas simples que elas mesmas possam fazer. Por exemplo, se todos com concordam que a saúde na comunidade vai de mal a pior, promova uma campanha de faixas e cartazes das crianças denunciando esta situação. Construa com elas uma hortinha medicinal, ou uma farmacinha.
6...REJEIÇÃO ÀS DIVERSAS FORMAS DE DISCRIMINAÇÃO

Não queremos educar adultos preconceituosos. Temos que combater dentro de nós mesmos e em nossa comunidade a discriminação religiosa, cultural, étnica, de opção sexual, deficientes mentais e físicos, enfim, das diferenças que há entre nosso povo que não podem nos impedir de nos darmos as mãos e lutarmos juntos pelo mesmo ideal. Conhecer a história dos diversos povos, conhecer a história das religiões e seus costumes, saber respeitar aquele que tem outra opção sexual, tudo isto tem que ser trabalhado em sala de aula.
7... IDENTIDADE CULTURAL

Temos que saber quem somos, de onde viemos. Somos o povo gaúcho, vindo de uma mistura de índios, negros e imigrantes pobres. Temos que ter orgulho de nossa história de lutas e conhecê-la, contar e cantar esta história para as crianças. Sempre comemorar o dia de Sepé Tiaraju, Zumbi dos Palmares, Anita Garibaldi, Che Guevara, etc. Somos guerreiros como foram nossos antepassados, essa é a nossa identidade, isso nos dá dignidade e força para seguir em frente.
8...CONSCIÊNCIA DE QUE NADA É PERFEITO E ESTÁ ACABADO

Nosso método, nosso jeito de ensinar, a gente mesmo, as crianças, as nossas reuniões, nossos companheiros, nada nem ninguém é perfeito e está acabado. Temos sempre o que aperfeiçoar e melhorar. Por isso, não podemos ficar frustrados e tristes porque nosso trabalho não está tão bom como deveria, nem somos tão bons educadores como gostaríamos. Temos apenas que aprender com os erros e estar sempre buscando melhorar mais e mais. Só os erros nos fazem aprender, e as crianças devem aprender isso o mais rápido possível para que ninguém consiga traumatizá-las por causa de um erro que cometeram.
9...HUMILDADE E TOLERÂNCIA

Por mais que tenhamos lido, por mais que tenhamos experiência de vida, por mais que tenhamos conhecimentos, jamais podemos nos considerar melhor do que os outros, mesmo que os outros sejam crianças. Temos sempre que ser humildes, não ficar exibindo e afirmando nossos conhecimentos e nossas experiências com a intenção de mostrar que somos "melhores" porque somos "adultos". Somos diferentes, mas cada um é um poço de vivências e sabedoria, mesmo as crianças. Elas tem também muito a nos ensinar, inclusive a lembrar que um dia também fomos crianças. Por isso, não podemos nos irritar e perder a paciência, gritar e até partir para a violência. Isso a criança a aprender a fazer o mesmo, e se tornarem adultos intolerantes.
10... ENTENDER A REALIDADE, PESQUISAR E SER CURIOSO

Somos educadoras e educadores do povo, e estamos na luta da Resistência Popular. Por isso, temos a obrigação de entender a realidade, entender porque e como somos oprimidos e explorados, quem são nossos inimigos de classe, quais os próximos golpes da burguesia contra a nossa classe. Temos que entender o que se passa em nossos país, os planos de governo, o que é a ALCA, o que é o FMI, quem são os governantes e o que têm feito, o que o Congresso está aprovando que vai contra o povo oprimido, enfim, temos que estar "por dentro", seja lendo jornal, vendo jornais na TV (é importante buscar ver jornais de canais diferentes), ouvindo rádio, conversando com quem conhece estes assuntos, enfim, temos que ser eternos curiosos e grandes pesquisadores. O educador está sempre presente nas formações feitas pela Resistência Popular, está sempre lendo, perguntando, escutando, dialogando, para depois juntar tudo e transformar em aulas de muito debate e ação.
11...ALEGRIA, ESPERANÇA E AFETO

Um bom clima em sala de aula se constrói basicamente com isto. Alegria de estar ali, aprendendo e ensinando, contribuindo para a construção de uma sociedade livre, sem oprimidos, construindo junto com companheiros e companheiras um futuro diferente para as crianças e jovens que estão ali, brincando e aprendendo. Ter esperança e fé em um outro mundo é fundamental, isso contagia qualquer um, soma forças, unifica. E o afeto, em qualquer idade, é essencial: gostar do que está fazendo, gostar das crianças, dos jovens, dos companheiros e companheiras. Ninguém se sente bem em um ambiente onde uma pessoa está insatisfeita, mal humorada, frustrada, que trata a todos com indiferença.
12... CONVICÇÃO DE QUE A MUDANÇA É POSSÍVEL

Se não acreditarmos que as coisas podem mudar, não somos educadores. O fundamento principal da educação é a mudança: para que então ensinar, se não acreditamos que alguém possa aprender? Todos podem aprender, todos podem mudar, só depende da nossa ação e da vontade do coletivo em mudar as coisas, vencer dificuldades, derrotar os inimigos, construir algo novo. A televisão dos burgueses muitas vezes quer nos passar que as coisas são assim mesmo, sempre haverá pobres e ricos, sempre haverá políticos mandando na gente, mas, isso é mentira. Pode ser diferente, a história mostra que o ser humano já viveu em outro tipo de sociedade.
13...COMPROMETIMENTO COM A LUTA POPULAR

A educação ajuda muito, mas não é nada sem a luta popular. Ela é só mais um componente desta luta, não adianta ter várias atividades para as crianças, tirar os jovens das ruas e das drogas, ensinar os adultos a ler e escrever se eles também não se juntarem na luta por melhorias em sua comunidade, por mais trabalho, mais saúde, mais alimentação, mais educação, mais moradia. A educação tem que andar junto com a luta, senão, não vai mudar nada sozinha.
14...LIBERDADE E AUTORIDADE

Já dizia o lutador anarquista M. BAKUNIN que é preciso educar “da liberdade à autoridade”.`Isso quer dizer que as crianças precisam de limites, de regras, aprender o que é certo e o que é errado, precisam da autoridade de um adulto. Elas entendem isso como afeto também, dependendo da forma como é feito. É possível constuir as regras das aulas junto com as crianças, e fazê-las refletir sobre elas constantemente. Sempre que alguém faltar com alguma regra, pode-se para tudo e fazer uma discussão sobre o que aconteceu. Dessa forma, e só dessa forma, se educa para a liberdade, para que sejam adultos seguros de si, que sabem o que querem, e não adultos mimados e fúteis (falta de limites na infância) ou reprimidos, violentos e frustrados(limites demais,punições demais).
15 ... SABER QUE A EDUCAÇÃO É IDEOLÓGICA

A burguesia gosta muito de acusar o MST(Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra) de fazer uma “educação ideológica’’ nos acampamentos e assentamentos. Só que isso é um absurdo de se dizer, porque qualquer escola, fundação, instituto, qualquer estabelecimento de ensino na face da terra faz "educação ideológica". “Ideologia’’é um conjunto de idéias que servem a algum interesse, que apontam para uma linha, um caminho a se seguir, um objetivo. Ninguém ensina sem objetivo. Ganhar dinheiro com a educação é a ideologia dos cursinhos pré-vestibulares e supletivos. Formar pessoas acomodadas e que trabalhem sem reclamar para um patrão é o objetivo de algumas escolas públicas, mesmo que elas não digam. Formar patrões que saibam enriquecer com a força de trabalho dos outros é o objetivo das escolas particulares. Ajudar a formar lutadores e lutadoras do povo que derrubem o sistema de opressão que nos mata dia a dia é o objetivo da educação da Resistência Popular.

VIVA A RESISTÊNCIA POPULAR!
16...MÉTODO

O método é importante, porque põe em prática o nosso conjunto de ideias. Temos aqui algumas sugestões, baseadas na chamada "Pedagogia de Projetos". Ela associa o TEMA GERADOR, idealizado pelo conceituado educador de esquerda educador de esquerda Paulo freire, com a prática.
PLANEJAMENTO= planejar as aulas é fundamental para que nossos valores e nossos objetivos consigam entrar mesmo na das crianças e jovens. Se não planejamos, acabamos por dar aulas iguaizinhas àquelas da escola tradicional que frequentamos, que achávamos chatas e que não levavam a uma consciência e ação críticas. Apresentamos aqui um modelinho de planejamento que você pode adaptar como quiser.
TEMA GERADOR= é o assunto em cima do qual vamos fazer nosso planejamento. Esse assunto tem que ser de interesse das crianças, algo que envolva, que seja de seu dia a dia, que esteja sendo um problema para sua família e que elas sintam que podem ajudar a resolver. Para descobrir o tema gerador, tente responder as seguintes perguntas:

-Quais os problemas que a nossa comunidade está atravessando agora?

-Como posso transformá-los em atividades que resultem em algo prático que se possa fazer para ajudar a lutar contra este problema?

Com certeza, a primeira pergunta vai gerar uma lista de coisas, como saúde, moradia, alimentação, higiene, transporte, trabalho, educação, drogas, álcool, cigarro, discriminação, falta de união e companheirismo, etc. Selecione um e mãos à obra!
EXEMPLO DE PLANEJAMENTO COM TEMA GERADOR

TEMA GERADOR:MORADIA

TRABALHO COLETIVO:fazer uma exposição para os pais com os trabalhos dos alunos sobre o assunto; construir uma maquete com a “vila que queremos”

PRAZO:aqui você estabelece as datas, para não estender demais o projeto, pois as crianças cansam.

OBJETIVOS:conscientizar as crianças e jovens da importância de se ter uma moradia digna; fazê-los enxergar criticamente onde moram; debater sobre a questão de ter vergonha de dizer onde mora, mostrando que devemos nos orgulhar de morar em uma comunidade que luta e trabalha pelo que quer; atingir os pais com a exposição feita pelos alunos, buscando uma ação dos adultos para a melhoria de suas moradias.
ATIVIDADES A SEREM DESENVOLVIDAS

#Leitura da historinha dos TRÊS PORQUINHOS

-atividade de teatro, fazendo as crianças dramatizarem a historinha;

-cruzadinhas, caça-palavras, desenhos sobre a historinha;

-construção das casinhas dos porquinhos: uma de palha, outra de madeira outra de tijolos;

-estudar os bichos que aparecem na história: o porco e o lobo, seus hábitos alimentares, etc (ciências)

-trabalhar com os números: quanto custa uma casinha de palha? E de madeira? E de tijolos? Perguntar para os pais que trabalham na construção civil;

-mostrar que existem diversos tipos de moradia: de barro, de madeira, de tijolos, tem gente que mora embaixo de pontes e viadutos, as ocas dos índios, etc;

-fazê-los identificar as cores de sua casa por fora, quem a construiu, quantas portas, quantas janelas, se tem pátio ou não, etc;

-se você fosse melhorar sua casinha, o que você mudaria?Fazê-los desenhar ou fazer com caixinhas, palitinhos, etc;

-ensiná-los a música da “Casa”, de Toquinho e Vinícius, e a da Lagartixa “Fui morar numa casinha-nha, infestada-da de cupim-pim-pim, saiu de lá-lá-lá uma largatixa-xa olhou pra mim, olhou pra mim e fez assim BRRRLLL!
# A VILA IDEAL

-O que poderia ter na nossa vila para ela ser melhor?

-Onde ficariam as casas?

-Teria pracinha? O que teria na pracinha?

-Teria árvores?Onde?

-etc

-Construir uma maquete com os sonhos das crianças.Discutir que é possível realizar, desde que a gente se mantenha unidos e lutando.
# A ORGANIZAÇÃO DA EXPOSIÇÃO

-Dividir as tarefas: quem vai explicar para os pais cada atividade, quem vai fazer a abertura, quem vai apresentar o teatrinho, quem vai servir o lanche e o suco, quem vai organizar o espaço para receber os pais, quem vai fazer o convite, quem vai cantar as músicas, quem vai limpar tudo depois, etc.
# A RODA DE AVALIAÇÃO DA EXPOSIÇÃO

-depois da exposição, fazer uma roda e avaliar como foi, se todos cumpriram suas tarefas, o que deu mais certo, o que aprenderam de novo, o que deu errado e por quê, etc.
AVALIAÇÃO DO TRABALHO

Este espaço é para os educadores avaliarem seu trabalho e se foi satisfatório, se os objetivos foram cumpridos, se a postura de educador correspondeu aos objetivos da Resistência Popular.